domingo, 6 de dezembro de 2009

Do Fundo da Memória - I


Outrora,já tive os olhos tingidos com uma cor célebre como o translúcido.Faz entre seis,sete anos,2002/2003:simplesmente conseguia permanecer com o olhar fixo nos olhos de qualquer um;como que para ver os detalhes lá impressos,as portas abertas,a índole.Enfim,para dar-me conta do quão única era aquela pessoa á minha frente.

No entanto,nunca ganhamos uma batalha contra Cronos;no máximo,adiamos nossa derrota.

Deixando um pouco de lado o egotismo,e passando ao coletivismo,com essa "transparência óptica",é bem fácil notar os liames,as sombras e as luzes que permeiam nossas paisagens.Podem acusar-me de ingênuo,superficial,pretensioso,ou seja lá o que for mas,em última instância,para mim é impossível não achar a vida,o cotidiano, os eventos,dotados d'uma beleza quase metafísica.Indico isso mais por inferência,do que por realmente ter-me submergido a tal ponto nas relações comuns do dia-a-dia e,vivenciando-as gota-a-gota,que acabei por tornar-me capaz de ser sensível por completo á isso.Infelizmente não sou assim por inteiro.Apesar de ser muito "coração",maior parte do tempo,são as análises a priori,que ditam meus juízos.Joseph Conrad que era talentoso nisso:tendo iniciado a carreira literária já tarde,por volta dos 35/40 anos,ele se mostrava muito sensível ao cotidiano;aliás,no prefácio da obra "A Linha de Sombra",ele esclarece que não há nenhum elemento sobrenatural em seu livro(pois sem esse prefácio,seria fácil encontrar esse tipo de tema),e que apelar á isso,seria dizer que na vida ordinária,não há doses de drama e complexidade o sulficientes.Claro que há,concordo com ele,só não alcancei o mesmo nível ainda.Pode-se fazer obras tocantes,tendo apenas a realidade como mote.Aprecio,e muito a temática de natureza transcendental,espiritual;no entanto,ante ela tratar a existência concreta como mero esboço,é d'uma crueldade incrível.

Mas hoje,voltando ao olhar,é difícil imergir-me nas pessoas.Aquela solicitude do olhar,permitia que eu visse meus irmãos com inexpugnável imparcialidade,ainda que meio alegre-sinceramente alegre pela entrevista.Hoje,vejo que é um medo inconsciente de ser descoberto,de ter meus medos á mostra,que faz com que eu desvie os olhos,ainda que sem querer.

Acho que reflito bem o conflito entre permanecer,retornar á epígrafe de minha alma,e o presente,que mostra-me com o dedo indicador minhas limitações,e o caráter frágil do tempo.Fica impresso como se fosse um carimbo no cartão de visitas de meu olhar.

Mas ver poesia em tudo,beleza agradável em tudo,também constitui escapismo.

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...Ultimamente,não sei dizer ao certo...,Mas tenho notado com freqüência uma pontinha de amargura,ou melhor,apatia,nas pessoas.Seja no segurança que fica na porta do banco,ou na senhora crente,ou no garoto malandro.Parece que todo mundo anda meio "tanto faz,isso não é problema para que eu resolva".Não é surto;ninguém parece fazer muita questão do que vai acontecer consigo,para além daquilo estritamente comezinho,e isso me deixa bem triste,não por mim,mas pelas pessoas.Não precisamos ser uma nação formada por Abraham Lincolns,Einsteins,ou Gandhis;afinal aí já seria facismo,mas tenho a impressão de que entre os norte-americanos,por exemplo,essa "distribuição" de "tipos",de pessoas e de suas ambições,se dá de forma diversa e mais equilibrada que a nossa.Tenho conversado com gente que não tem instrução alguma,gente que só sonha,que só realiza,gente perversa,gente que acha que negócios e pessoas podem ser tratadas da mesma forma,visando lucros d'alguma natureza qualquer;mas poucos mostram fazer questão de construir,de forma consciente suas próprias vidas;poucos pré-visualizam os 35 anos,e o inevitável aviso da natureza:"amigo,amiga,vocês estão ficando velhos;há páginas que vocês não poderão escrever mais!".Não se trata de uma apologia á Dorian Grey.Ele é perverso.Mas acho que paciência e calma,não podem ser confundidos com apatia e inércia.

...Na real,só gostaria que meus esforços fossem capazes de causar eventos mais amplos do que aqueles que acabam reduzidos á pó no fim do dia ou da semana. ...Inevitável dizer,que mesmo o pó,acaba por ficar sedimentado na nossa psique.Uma hora ou outra,mais breve ou não,vêm á cabeça aqueles abraços partidos(*referência ao filme^^,quero muito assistir \°/ ),as broncas,as aulas,os professores,enfim,todo mundo.Em A Metamorfose,Gregor Samsa se lembrou,não sem uma pontinha de melancolia adocicada,d'uma mocinha a quem tentou cortejar,d'uma moldura muito bonita que ele mesmo fez...São coisinhas bem concretas,e acho que é disso que mais necessitamos:um abraço aqui,aquela fotinha acolá,para que alimentemos mais as árvores de nossa planície.Como o Pequeno Príncipe disse,sobre os recantos secretos e maravilhosos que há em cada um.

Minha luta,é para que as pessoas vejam esses recantos,passeiem por ele.De que elas tenham vontade,e não deixem que a chama simplesmente apague;ela pode enfraquecer,é natural enfraquecer,afinal de contas,somos seres finitos,mas será que é tão dolorido e angustiante assim alimentar suas realizações,seus sonhos?Bom,não sou o mais indicado á admoestar ninguém,mas meu ponto de vista por hora,é esse.

Desejo que todos(ainda que sei que isso é utopia),hasteiem suas bandeiras contra Chronos,ou melhor:façam do tempo um amigo jardineiro,que regue nossa planície.

Abraço á todos.

Um comentário:

  1. Antigamente,quando eu era mais nova,eu não conseguia olhar nos olhos de ninguém.Isso pq por fora,eu sempre me fiz de muito forte,mas por dentro,eu não era nem um terço de tudo o que queria mostrar ser.Tinha medo que notassem como eu era frágil.Até hoje,quando me seinto impotente,triste,ou em alguma situação de submissão,não consigo encarar as pessoas por muito tempo.

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