No lugar onde faço aula de música,só há mulheres na faixa dos 14 aos 17 anos.O único homem sou eu;já houveram outros,no entanto o único que nunca agiu de forma mais reservada e protegida,fui eu.Todas conversam comigo,brincam,o que acho uma honra:faz idéia de como é difícil conquistar a simpatia geral?É muito,muito difícil;ora!Nem Cristo e Buda agradaram á todos,que dirá eu!Mas acho que justamente por ser sempre brincalhão(beirando a patetice),e o único homem,é que todas nutrem certa simpatia para comigo;acho que de alguma forma e para alguma coisa,acabo funcionando como uma substância de aglutinação por lá;o que é muito,muito legal.Uma delas me chama até de pai!
Irei deter-me na história dessa.
Ela tem 14 anos e,coisa bem difícil na idade dela,ainda mais nos dias de hoje:ela preserva muita coisa de criança.Ela não fica fingindo que tem peito,ou saindo por aí mostrando que tem bunda;também não banca a durona,ou "a" mulher - ela é o que é apenas.
Quando entrou no projeto de música,já no segundo ou terceiro dia,ela me parou na sala de instrumentos,e perguntou "- Quer ser meu pai?" (!) .Detive-me uns segundos;nunca esperei por uma pergunta assim.Em seguida,quando o tempo voltou a correr,disse que sim,e ela me deu um abraço e um beijo na bochecha.
...Depois de uns meses,fiquei meio irritado com ela:ela grudava muito!,Aí a chefe de meu novo serviço,que também é ligada ao projeto,me contou a história da Nina(um dos apelidos dela).:
A Nina vive com a mãe,a meia-irmã e o padastro.A meia-irmã é cheia de regalias,principalmente por ser novinha(na faixa dos nove),e filha do padastro;ela acaba sendo deixada meio que de lado,ainda mais agora:quem não se lembra de como os 14 anos trazem conflitos?Pois é,ela então...;Mas a Nina tem um motor: o pai biológico;a mãe não quer contar nada sobre ele - imagine ver seu irmão humilhando você,ostentando um pai que dá suporte,que poderia dar o mundo,enquanto você não dispõe de alguém que exerça esse papel!...E logo no começo da adolescência!
O sonho de Nina,é que daqui alguns anos,ela saia de casa e vá encontrar o pai,que a mãe nega dizer onde está.
...Claro que talvez o pai da Nina não seja dos melhores homens,ou talvez esteja morto;mas o importante é que parei de ficar irritado com ela: a Nina precisa de um pai;sentir algo ou alguém que pelo menos carregue esse nome pra ela...E em pensar que eu não havia sacado isso antes!
Ora!Minha falsa modéstia sempre fez questão de,polidamente soltar um "-Não,imagina",quando as pessoas diziam: "você é maduro","você é inteligente";quando na verdade,aquele demoniozinho do orgulho,estava á soltar fogos de artifício por dentro!
Oh!Sr. Maduro,eis uma pessoa que,de fato,necessita de seus serviços,e você á ficar melindrado com ela,sem saber antes o por quê dela grudar tanto,sem saber a origem disso!
A Nina é um tipo raro:fala palavrão,fala besteira,ouve rock,anda com garotos;mas está impresso nos olhos e no sorriso espontâneo,o quão ingênua e pura ela é.Talvez minhas filhas não sejam assim.
Depois que compreendi: uma vida sem um pai pra dar à ela um abraço,uma bronca,é comparável à perder as pernas e querer flutuar -não dá-.Ela brinca com todos,abraça todos;às vezes passa dos limites,mas ela merece cuidado;e lá na aula de música,rodeada de amigas,tendo boas refeições e contando com a compreensão dos professores,ela supre a carência que,se fosse depender dos pai,ia ficar pra escanteio mesmo...
Na escola ela não vai tão bem,sente dificuldades em matemática e geografia,mas esbanja inteligência em outro campo,tão importante quanto: ela é afetivamente inteligente -se falta afeto em casa,vai pra escola,se falta lá,vai pra aula de música,ela não passa fome disso.Não tem medo de se magoar,aliás,nem demonstra cogitar isso.É o tipo do qual sempre poderá se arrancar um sorriso bonachão;imagino ela aos 40,meio obesa talvez: terá um sorriso já não tão "escancarado" mas,quando a boca desenha um "parênteses",imagino que o rosto inteiro,nariz,olhos,testa,emanarão uma alegria bem sincera - profunda até,quem sabe.Acho que ela nunca será amarga,não de verdade,de forma pré-meditada;já deparei-me com pessoas parecidas com ela,já fui ajudado por gente assim;não tenho muita experiência de vida,mas acho que ela será assim.
Eu também sou adolescente apesar de tudo,mas hoje eu tento encarar a Nina como se fosse algo próximo de uma filha mesmo.
"- Se eu tivesse uma filha dessa idade,como me comportaria?"
É isso que fico pensando.
Se ano que vem ela ou eu continuar por lá,vou tentar ser algo como um pai pra ela.
RS...Ela vive me perguntando sobre quem é a mãe dela,e como resposta,brinco dizendo que assim como um cavalo-marinho,fiquei grávido e aos nove meses fiz cesárea,rs ^^ .Ela abre o característico sorriso metálico,me abraça de novo,outro beijo na bochecha,e aí sinto que está tudo bem.
...Só espero que o pai verdadeiro dela seja legal,pelo menos mais agradável que aquilo que o padastro e a mãe parecem ser...
Várias vezes achei que esse mundo é uma porcaria,mas quando vejo um caso assim,penso que realmente vale á pena se desgastar por aqui \°/
Ser pai deve ser muito legal:fico lembrando daquelas crianças que puxam o saco do pai,e saem por aí balançando os bracinhos dizendo: "Mamãe é chata!";Quantas crianças não vi dizendo e fazendo isso?,Nesse momento me pego com um sorriso bobo,perdido num monte de devaneios azuis-claro e com cheiro de laranja: em um dia claro,quente e ensolarado,com meus filhos,e talvez um deles sentado em meus ombros,passeando comigo e com minha esposa nas sombras das árvores.Quando ele ou ela disser que "o papai é um herói",vou mostrar a língua á minha esposa,em seguida uma piscadela acompanhada de um "Viu?Ela adora o papai.PA-PAI."Rs...Vou mostrar a língua pra ela,e daremos umas boas risadas juntos.
Parando pra pensar bem,o pai da Nina,se a deixou foi um besta;sorte tenho eu hoje de bancar,ainda que de mentirinha esse papel.
Um amigo de trabalho meu perdeu o pai muito cedo;a única lembranças que ele tem,é de estar entre os braços paternos,e puxar o nariz de palhaço que o pai estava vestindo...
...Uma mãe excepcional,você encontra:mulheres são naturalmente maravilhosas.Mas um Homem que,jogando por terra sua natureza reservada e beligerante,se torne tão sensível quanto uma,não é menos que herói.
No livro "Extremamente Alto & Incrivelmente Perto",de Jonathan Safran Foer,a morte do pai é um evento que deixa um vazio tão grande,que o garotinho Oskar não consegue conjugar a ausência dele.
A profª de violino de minha irmã,disse que nós nos tornamos aquilo que não tivemos.Meu pai teve os momentos dele;tocava violão,cantava músicas e brincava com nós;sabiamente inseriu bichinhos em nossas vidas: gatos,coelhos,porquinhos-da-Índia,peixes,pássaros;nos ensinou a amar a natureza,e criou uma ligação,ao menos em mim,com meus ancestrais indígenas.Mas ele poderia ter sido menos pétreo com a esposa.Se ele tivesse sido com a esposa,o mesmo que com minha irmã e eu,as coisas teriam sido melhores.Por mais amor que venha a ter por meus filhos,nada me tira da cabeça,que eles devem ser uma conseqüêcia direta da dedicação que tenho por minha companheira.Eles coroam a nossa relação.
Não posso viver pra sempre,o único jeito de ser eterno de alguma forma,é legar filhos,netos,bisnetos,descendentes;de alguma forma estarei vivo com eles para sempre,como a luz de uma estrela,ainda que esteja morto.Eles me testemunharão quando for embora.
Concluindo a sentença da amiga de minha irmã,creio com um pouco de esperança que,justamente por não ter tido o melhor dos pais,é que talvez eu acabe por ser um pai melhor,como ela assinalou.
Devo agradecer à Nina por fim;não fosse ela,essas reflexões não estariam acontecendo...
Deixo uma música com letra,que fala tudo sobre paternidade.
Abraço à todos.
Puxa,ñ conhecia essa parte da hitória...Ela é uma menina mto doce (apesar d meio maloqueira rsrs) e tem um futuro enorme pela frente...ainda bem q ela tem vc!!
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