segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

"Memoirs"



Uma vez defronte com a galeria de meu passado,pasmo ante a solidez irrefutável dela,ante a glória romana e o vazio insignificante;uma vez feito isso,sente-se se você é um "Brás Cubas",ou um "Oskar Schell",ou um "Julien Sorel",ou um "Raskolnikov", ou um "Gregor Samsa".

...Por ocasião de fixar-se nas realizações não feitas,nos sonhos não sonhados,é inevitável que a tristeza não se aposse de ti;a tristeza torna-se uma bebida interessante,consoladora,que tinge as nossas fotografias com um colorido belo,mas trágico.As lágrimas se tornam a única água capaz de lavar nossa perversidade,nossa inércia,ainda que só tenhamos uma peça de roupa:nosso "eu".Ou essência,legado,memória,chamem do que quiserem;nossos eventos passados,ficam como uma foto em P&B.Ou colorida talvez,visto que a tendência quando se tem mais cores,é camuflar a essência,o significado ulterior da foto.

Uma vez,cheguei a conclusão de que se pessoas fossem como máquinas fotográficas,poderíamos associar certos estados de espírito com os efeitos que das câmeras advém:sépia,P&B,colorido,desfocado...

Pessoas tristes acho,que enxergam colorido.Isso porque a cor disfarça a apatia:nas fotos tipo "SinCity",a cor surge como uma espada que perfura sem dó,as tripas da suposta essência que o P&B faz questão de que você absorva.As pessoas comuns,ou bem alegres,mas de algum modo "simples" ou práticas(o que dá na mesma),também vêem colorido:corretores,vendedores,advogados...

O envelhecido ou sépia,pra mim pelo menos,revela uma certa grandiloqüência contida no evento - a glória disfarçada naquela cena;ou quando se trata de uma cena realmente grandiosa,é o orgulho que brilha tanto que talvez até machuque os olhos,e por causa disso,ele se disfarça de amarelo-fosco.

Em paralelos com música,é como a voz de Chet Baker que surge frágil(não fraca),em "I Fall in Love Too Easily";o violino solitário que no meio do caos e da lentidão,soergue-se solenemente todo-poderoso em "Turn Loose the Swans" do My Dying Bride;as notas delicadas,quase sussurradas,escorrendo pelas teclas do piano,como o orvalho matinal que escorre pelas faces das rosas,dos lírios ou das tulipas,nas Danças Norueguesas de Grieg,ou em algum Noturno de Chopin;ou a voz de Maria Rita,quando diz "qualquer coisa assim sobre você.../que explique a minha paz",em "Casa Pré-Fabricada".

Acho que sépia,é meu efeito fotográfico favorito,até mais que P&B,ou que cor sobressalente.No filme baseado em HQ "Watchmen",uma das heroínas,já decadente e "fora-de-linha" diz que,qualquer evento do passado,quando visto sob a luz do presente,é dotado d'um brilho descomunal.E que mesmo os pontos mais negros,possuem uma luz que o futuro incerto não tem.

Se essas cenas,essas vozes e cheiros;se a pele das pessoas,suas manias,se vissem como que por mágica transformadas em fotos,se o que estava acontecendo ali fosse poético,ou belo,ou descomunal,acredito piamente que seriam fotos envelhecidas,fotos sépia;dotadas d'uma significância tão grande,que nenhuma tecnologia ou efeito novo seria capaz de retirar-lhes a sensação de ar vesperal,que nos acalma no verão.
A história é algo que me fascina,o passado é algo que me fascina,e talvez por conta disso e das marcas que ele me imprimiu,é que eu queira me formar em história;sabia que matematicamente falando é possível ir até um ponto fixo no futuro?Nos anos 1950,um físico elaborou a teoria dos "Buracos de Minhoca",que consiste no seguinte:Num espaço completamente vazio(isto em termos de física:um vazio absoluto,que é quase impossível de se obter),cria-se uma lacuna na qual os grávitons(partículas que ajudam a controlar a curva do tempo),não exercem influência:o que aconteceria,é que agora,em 2009,poderíamos ter uma linha direta para 3015,por exemplo.Parece loucura,mas a teoria pode ser mostrar real:No Grande Colisor de Hádrons,que fica na Suíça,conseguiram criar o vácuo total,no entanto,ainda não temos tecnologia para criar um vácuo grande o sulficiente para comprovar a teoria.
...Mas notem,que não há como ir ao passado...Isso me deixa intrigado;e todas as fotos sépia,voltam a reluzer em minha galeria.

Talvez eu seja um indivíduo normal,que apenas viaja um pouco,se achando diferente;acontece que enquanto ando,falo com as pessoas,na minha mente se esvoaçam uma miríade de sensações e juízos: 'stou a conversar com a moça do caixa sobre o dia-a-dia,e vêm-me á cabeça os diálogos que tive com minha irmã,histórias fictícias que só aconteceram dentro de mim,fragmentos de livros,músicas inteiras,cheiros,fotos,filmes...Tudo quase que simultâneamente;acho que por isso passo a impressão de ser contemplativo.Isso sem falar que desde que comecei a fazer ioga,também fico prestando atenção nos meus pensamentos,se eles são ruins ou bons,se tenho consciência do que estou fazendo,ou se estou no "automático";presto atenção na minha respiração...

O que acho interessante,e tento descobrir nesse emaranhado tresloucado,é a mecânica de tudo isso;se alguém "vestisse" meus olhos,veria que pelas minhas lentes,os eventos atuais não surgem do nada.É como se,uma vez acontecendo algo especial,esse algo fosse uma folha na copa da árvore;o suporte para essa folha,são os ramos,que se ligam ao caule,que vai à raiz,que é o primeiro evento que marcou minha origem;aí nesse momento,imagino meu pai e minha mãe numa noite de amor;mas não é só:foram duas árvores que cruzaram as raízes,e aí começa tudo de novo só que de trás pra frente.

Acreditam que tive um sonho fantástico faz um ou dois meses,no qual eu caminhava(literalmente),até 1986?Mas eu nasci em 1988!Lembro-me no sonho,de que quando cruzei a avenida deserta,e subi um morrinho,rejuvenesci,voltei ao meu tamanho dos 4 ou 5 anos...Foi incrível.Vi meu pai,vi gente com quem nunca deparei-me na vida...Estou trabalhando nessa lembrança,pra que ela vire um pequeno conto talvez. ...Vocês sabem qual era a cor do céuzinho amanhecido de meu sonho,quando estava dando meus passos na rua rumo ao passado?Era um tom alaranjado;tal qual,uma foto em sépia... Cada ato de hoje,pode bem ser merecedor de se tornar uma lembrança bem bonita,algo digno de ser lembrado.Acho que minha lógica de aproveitar o hoje,e pensar no futuro é essa:tornarem os eventos,memoráveis. Amores memoráveis,textos memoráveis,dias memoráveis...Com alegria,mas com melancolia pra que seja humana também.Com paz,com luta...Isto veio do fundo de minha memória,do fundo de minha alma. Abraço á todos!
P.S.:Deixo aqui a música "From the Depth of Memories" do The 3rd and the Mortal.É linda,aproveitem.

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